Morfometria geométrica aplicada à Entomologia
- Insectum
- 6 de jul. de 2021
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Atualizado: 9 de jul. de 2021
Jhon Faber Marulanda Lopez, Edwin Dominguez e Gabriela de Figueiredo Jacintho
1.1. História e desenvolvimento
A Morfometria (medida: metron, forma: morphe), é um subcampo da estatística que estuda de forma quantitativa o tamanho e a forma. Frequentemente, é utilizada em análises de organismos, verificando mudanças na forma relacionadas ao desenvolvimento, covariâncias relacionadas a perturbações ambientais, análises taxonômicas de fósseis, entre outras aplicações. Esta área se desenvolve desde 1888, ano no qual Francis Galton introduziu o coeficiente de correlação e aplicou-o a uma variedade de medições em humanos. Em 1907, Galton inventou um método para quantificar a forma facial, o qual mais tarde foi adaptado por Fred Bookstein e passou a ser denominado “coordenadas de forma de Bookstein” ou “coordenadas de dois pontos”.
Na primeira parte do século XX, se desenvolveu a morfometria multivariada, que aplica técnicas estatísticas multivariadas em medições lineares como: comprimento, largura, raio e angulação (Figura. 1). Contudo, com a invenção de sistemas baseados em métodos de coordenadas, a descoberta da teoria estatística da forma, e os sistemas computacionais de grades de deformação, na década de 1980, ocorreu uma revolução no estudo morfométrico. Depois de todos esses avanços, se estabelece uma nova abordagem, a morfometria geométrica, que preserva a geometria das configurações de pontos de referência ao longo da análise e desse modo representa os resultados estatísticos como as formas atuais.

Figura 1. Medições lineares de características morfológicas de interesse taxonômico.
1.2. Alguns termos chaves usados em Morfometria Geométrica
Digitalização de pontos: Se baseia na digitalização de pontos anatômicos homólogos no contorno da estrutura morfológica que será analisada (Figura 2). Esses pontos são os responsáveis por reconstruir a forma da estrutura morfológica em um contexto geométrico.

Figura 2. Digitalização de pontos. Os pontos são digitalizados no contorno da estrutura morfológica que será analisada usando um critério de homologia anatômica posicional.
Sobreposição Generalizada de Pontos: método que elimina os efeitos de translação, rotação e escala das imagens (Figura 3), extraindo as coordenadas de forma da estrutura de interesse a analisar (Rohlf & Slice, 1990).

Figura 3. Sobreposição Generalizada de Pontos. Inicialmente todas as imagens são escaladas ao mesmo tamanho, depois são deslocadas à mesma posição e finalmente são rotadas à mesma orientação.
Forma: toda informação geométrica que fica na estrutura morfológica de interesse depois de eliminar os efeitos de posição, rotação e escala das imagens a analisar (Kendall, 1977).
Tamanho centróide: estimador isométrico do tamanho da estrutura morfológica que não depende de sua forma (Zelditch et al., 2012).
1.3. Aplicações
1.3.1. Protocolo de análises populacional
Inicialmente deve se ter uma pergunta de investigação que relaciona potenciais variações da forma e/ou tamanho de alguma estrutura de interesse. Em seguida, são feitas fotografias da estrutura a analisar de todos os indivíduos para se digitalizar os pontos no contorno ou algum outro lugar anatômico (onde esteja concentrada a variação). Depois, se aplica o método de Superimposição Generalizada dos Pontos, obtendo a informação de tamanho e forma de interesse biológico. Nesse momento pode testar hipóteses biológicas, e será possível analisar o tamanho e forma independentemente e a sua relação com algumas variáveis como: cobertura vegetal, faixa atitudinal, distribuição e concentração de organoclorados, por exemplo.
1.3.2. Discussão do Artigo e aplicação no biomonitoramento
O monitoramento dos ecossistemas dulciaquícolas é uma ferramenta fundamental na preservação de recursos hídricos. A variação morfológica em indivíduos aquáticos pode ser um indicador de poluição e por tanto, ser uma ferramenta potencial na avaliação da qualidade da água (Odume et al., 2016). Usando a morfometria geométrica podemos quantificar a variação morfológica em análises comparativos dos organismos (Zelditch et al., 2012).
O artigo “Incidence of deformities and variation in shape of mentum and wing of Chironomus columbiensis (Diptera, Chironomidae) as tools to assess aquatic contamination” de Montaño et al. (2019), documenta a incidência de deformidades e variação no mentum e asas de C. columbiensis, como ferramentas para avaliar a contaminação aquática. Os tratamentos de mineração com mercúrio e cianeto e da agricultura apresentaram uma alta variação morfológica no mentum e asas de C. columbiensis. Os resultados dos autores sugeriram que as atividades antropogênicas geram alterações no aparelho oral do estado larval de C. columbiensis, e na sua vez, provocam alterações na forma da asa do adulto com um aumento da largura e redução da área basal.
1.3.2. Outras aplicações
Gómez et al. (2014), avaliam o efeito de fatores ambientais nas características da asa e a presença de uma metapopulação de Anopheles albimanus. Zúñiga-Reinoso & Benítez (2015) documentaram análises morfométricas em espécies crípticas de besouros da família Tenebrionidae. Sumruayphol et al. (2016), usaram a morfometria da asa e análises de código de barras de ADN para distinguir três espécies de vetores Aedes (Diptera, Culicidae) de importância médica. Recentemente no campo da entomologia médica, a morfometria geométrica foi usada na discriminação de hemípteros da família Reduviidae (Chaiphongpachara et al., 2019). Outros estudos analisaram a venação da asa de Apidae em análises taxonômicas na diferenciação de espécies de Scaura e espécies crípticas de Bombus (Martinet et al., 2019; Nogueira et al., 2019). No campo da entomologia agrícola, Prezotto et al. (2019) realizaram análises de dados morfológicos e moleculares do complexo de espécies crípticas Anastrepha fraterculus (Diptera, Tephritidae). A morfometria geométrica vem contribuindo positivamente em diferentes campos da entomologia eliminando a subjetividade das análises qualitativas tradicionais de variação morfológica.
1.4. Links para vídeos complementares:
“Herramientas Bioinformáticas para el estudio de la Evolución Morfológica”:
“A morfometria geométrica e o estudo das formas biológicas” :
“Introdução à morfometria geométrica” :
1.5. Link para o site SB Morphometrics:
O site contém cursos, workshops, software, bibliografia, glossário morfométrico e contatos de pessoas atuantes na morfometria geométrica como o desenvolvedor do site James Rohlf.
1.6. Livro para leitura adicional:
O livro de Zelditch et al. (2012) de morfometria geométrica para biólogos é uma boa fonte de leitura que aborda desde a introdução até os aspectos aplicados da morfometria geométrica em 2D e 3D.
1.7. Referências:
Arambourou, H., Beisel, J. N., Branchu, P., & Debat, V. (2012). Patterns of fluctuating asymmetry and shape variation in Chironomus riparius (Diptera, Chironomidae) exposed to nonylphenol or lead. PloS one, 7(11).
Chaiphongpachara, T., Sriwichai, P., Samung, Y., Ruangsittichai, J., Vargas, R. E. M., Cui, L., ... & Sumruayphol, S. (2019). Geometric morphometrics approach towards discrimination of three member species of Maculatus group in Thailand. Acta tropica, 192, 66-74.
Kendall, D. G. (1977). The diffusion of shape. Advances in Applied Probability, 9(3), 428-430.
Martinet, B., Lecocq, T., Brasero, N., Gerard, M., Urbanová, K., Valterová, I., ... & Rasmont, P. (2019). Integrative taxonomy of an arctic bumblebee species complex highlights a new cryptic species (Apidae: Bombus). Zoological Journal of the Linnean Society, 187(3), 599-621.
Montaño-Campaz, M. L., Gomes-Dias, L., Restrepo, B. E. T., & García-Merchán, V. H. (2019). Incidence of deformities and variation in shape of mentum and wing of Chironomus columbiensis (Diptera, Chironomidae) as tools to assess aquatic contamination. PloS one, 14(1).
Moore, M. N., Livingstone, D. R., Widdows, J., Lowe, D. M., & Pipe, R. K. (1987). Molecular, cellular and physiological effects of oil-derived hydrocarbons on molluscs and their use in impact assessment. Philosophical Transactions of the Royal Society of London. B, Biological Sciences, 316(1181), 603-623.
Nogueira, D. S., Mahlmann, T., Teixeira, J. S. G., de Oliveira, M. L., & Roubik, D. W. (2019). Geometric morphometrics of wing venation to differentiates new species of Scaura Schwarz populations (Hymenoptera: Apidae: Meliponini). Scientia Plena, 15(1).
Odume, O. N., Palmer, C. G., Arimoro, F. O., & Mensah, P. K. (2016). Chironomid assemblage structure and morphological response to pollution in an effluent-impacted river, Eastern Cape, South Africa. Ecological Indicators, 67, 391-402.
Prezotto, L. F., Perondini, A. L., Hernández-Ortiz, V., Frías, D., & Selivon, D. (2019). What Can Integrated Analysis of Morphological and Genetic Data Still Reveal about the Anastrepha fraterculus (Diptera: Tephritidae) Cryptic Species Complex?. Insects, 10(11), 408.
Rohlf, F. J., & Slice, D. (1990). Extensions of the Procrustes method for the optimal superimposition of landmarks. Systematic Biology, 39(1), 40-59.
Sumruayphol, S., Apiwathnasorn, C., Ruangsittichai, J., Sriwichai, P., Attrapadung, S., Samung, Y., & Dujardin, J. P. (2016). DNA barcoding and wing morphometrics to distinguish three Aedes vectors in Thailand. Acta tropica, 159, 1-10.
Zelditch, M. L., Swiderski, D. L., & Sheets, H. D. (2012). Geometric morphometrics for biologists: a primer. Academic Press.
Zúniga-Reinoso, Á., & Benítez, H. A. (2015). The overrated use of the morphological cryptic species concept: An example with Nyctelia darkbeetles (Coleoptera: Tenebrionidae) using geometric morphometrics. Zoologischer Anzeiger-A Journal of Comparative Zoology, 255, 47-53.
Figuras 1, 2 e 3: Gabriela de Figueiredo Jacintho