Até que ponto a evolução é previsível? Mirmecófilos têm a resposta
- Insectum
- 11 de jun. de 2022
- 4 min de leitura
Gabriela de Figueiredo Jacintho
Os besouros Pselaphinae (Coleoptera: Staphilinidae) são representados por aproximadamente dez mil espécies distribuídas em 1.247 gênero (Parker, 2016a), sendo a segunda maior subfamília de Staphylinidae (Parker, 2016b). A subfamília apresenta distribuição global e atinge o pico de sua diversidade, em riqueza e abundância, na serapilheira de florestas tropicais (Newton & Chandler, 1989; Olson, 1994). Essa grande abundância sugere um papel ecológico importante nas comunidades desses habitats (Park, 1942; Newton & Chandler, 1989; Parker, 2016a). Estes besouros são predadores, mas ganham destaque pela evolução da mirmecofilia em 22 de suas 39 tribos (Chandler, 1990; Parker, 2016b).
Mirmecófilos são aqueles organismos que vivem dentro ou próximos de ninhos de formigas, estabelecendo uma variedade de interações simbióticas com estes hospedeiros durante uma considerável parte de seu ciclo de vida (Holldobler & Wilson, 1990; Rocha et al., 2020). Entre os insetos, as ordens Coleoptera, Lepidoptera e Hymenoptera, respectivamente, apresentam o maior número de registros de casos de mirmecofilia, com uma ampla gama de tipos de interações e ciclos de vida. Dentro de Coleoptera, a evolução do comportamento mirmecófilo é comum, principalmente em as seguintes subfamílias de Staphylinidae: Aleocharinae e Pselaphinae, com uma predisposição menor em Scydmaeninae (Parker, 2016b).
Coleópteros mirmecófilos variam de espécies altamente integradas que dependem de adaptações que lhes permitam resistir à agressividade das formigas e serem toleradas, até tratadas como membros da colônia, a espécies mal integradas que tentam iludir seus hospedeiros e confiam em sua rapidez de fuga (Rocha et al., 2020; Maruyama & Parker, 2017). Estes “impostores” fazem isso há mais de 100 milhões de anos, quase desde que as próprias formigas existem (Parker & Grimaldi, 2017). Os Rove beetles se destacam, tendo evoluído mirmecofilia mais de cem vezes ao longo das eras, cada vez de forma independente - fenômeno conhecido como evolução convergente (Maruyama & Parker, 2017).
Esse virtuosismo evolutivo apresenta aos biólogos uma rara oportunidade, um experimento natural com várias linhagens convergentes. Isso vai direto ao cerne de uma antiga questão na biologia: quão previsível a evolução pode ser? Stephen Jay Gould postula em seu livro Wonderful Life, de 1989, que a história da vida foi tão fortemente moldada por acidentes particulares, que se rebobinássemos a “fita da vida”, ela se desenrolaria a cada vez de forma diferente. Contudo, exemplos como os besouros mirmecófilos sugerem que a evolução pode ser mais previsível e repetível do que Gould acreditava.
Tornar-se um mirmecófilo de sucesso requer mudanças dramáticas e coordenadas, como a evolução de novas formas corporais para imitar a aparência de formigas ou partes de formigas (Maruyama & Parker, 2017; Parker, 2016b). Um besouro mirmecófilo, por exemplo – Ecitophya – parece uma formiga. Outro — Nymphister kronaueri — assume a forma e o tamanho do gáster da formiga, e se agarra neste, disfarçado de segundo gaster (Rabelling & Parker, 2020).
A mirmecofilia também requer estratégias químicas, dado que cada colônia de formigas produz um perfil único e complexo de moléculas de hidrocarbonetos nas superfícies do corpo dos membros da colônia, que as formigas usam para distinguir estrangeiros no ninho (Parker & Grimaldi, 2014). Assim, são selecionados os mirmecófilos que desenvolvem novos caminhos biossintéticos para produzir esses hidrocarbonetos cuticulares, ou novos comportamentos sociais. Um conjunto especial de características predispõe os besouros errantes a desenvolverem a mirmecofilia repetidas vezes: primeiro encurtaram os élitros, o que deixa o abdômen parcialmente exposto e vulnerável a predadores. Como defesa, o abdômen exposto contém uma glândula que, em besouros de vida livre, pode produzir e pulverizar produtos químicos para deter predadores (Parker & Grimaldi, 2014; Yin, 2019).
Assim, espécies de besouros mirmecófilos com um maior grau de integração apresentam uma história evolutiva quase que paralela ao seu hospedeiro, sendo suas adaptações selecionadas de acordo com as pressões seletivas existentes dentro da colônia. Essas interações, geralmente, parecem especializadas e complexas, estando restritas a um único gênero ou espécie (Holldobler & Wilson, 1990; Rocha et al., 2020). Contudo, alguns mirmecófilos são conhecidos como generalistas e interagem com espécies de formigas de várias subfamílias (Park, 1942).
Os besouros mirmecófilos podem parecer sem graças e pouco atraentes para os olhos destreinados, mas para diversos estudiosos um sistema de estudo estava disponível, que estava fora do radar por causa de sua obscuridade e tamanho. À medida que revelam seus segredos, os besouros mirmecófilos podem ser cruciais para finalmente responder à famosa pergunta de Gould sobre a fita da vida e o peso relativo da inevitabilidade e do acaso na evolução (Parker & Grimaldi, 2014 Parker, 2016a).
Vídeos interessantes sobre o assunto:
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The World War of the Ants - The Ant-Correction
Referências:
Chandler, D.S. (1990) Insecta: Coleoptera Pselaphidae. Soil Biology Guide (ed. by D.L. Dindal), pp. 1175–1190. John Wiley and Sons, New York, New York.
Gould, S.J. Stephen Jay. (1989). Wonderful life: the burgess shale and the nature of history. New York: W.W. Norton,
Hölldobler, B.; Wilson, E. O. (1990). The ants. Cambridge, Mass. Harvard University Press, 732 pp.
Park, O. (1942). A study in Neotropical Pselaphidae. Evanston and Chicago: Northwestern University, 403 pp.
Parker, J. (2016a) Emergence of a superradiation: Pselaphinae rove beetles in mid-cretaceous amber from myanmar and their evolutionary implications. Systematic Entomology, 41, 541-566.
Parker, J. (2016b). Myrmecophily in beetles (Coleoptera): Evolutionary patterns and biological mechanisms. Myrmecological News, 22, 65 - 108.
Parker, J.; Grimaldi, D. A. (2014). Specialized myrmecophily at the ecological dawn of modern ants. Current Biology, 24, 2428 - 2434.
Rocha, F.H., Lachaud, JP. & Pérez-Lachaud, G. (2020). Myrmecophilous organisms associated with colonies of the ponerine ant Neoponera villosa (Hymenoptera: Formicidae) nesting in Aechmea bracteata bromeliads: a biodiversity hotspot. Myrmecol. News, 30, 73-92.
Olson, D.M. (1994) The distribution of leaf litter invertebrates along a Neotropical altitudinal gradient. Journal of Tropical Ecology, 10, 129–150.
Yin, Z.; Chandler, D.S.; Cai, C. (2019). Priscaplectus gen. nov. and two new species in mid-Cretaceous amber from Myanmar (Coleoptera: Staphylinidae). Cretaceous Research, [S.L.], v. 103, p. 104174 Elsevier BV. http://dx.doi.org/10.1016/j.cretres.2019.07.004.
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