Por: Juliana Vieira
“O doutorado tem a duração de uma graduação” era o pensamento que mais vinha a minha mente quando deixei o meu emprego para entrar nessa, muitas vezes, ingrata aventura. Embora a duração me assustasse, parafraseando os Novos Baianos, o fascínio por “jogar meu corpo no mundo, andar por todos os cantos e pela lei natural dos encontros, deixar e receber um tanto” foi a minha gasolina. E, claro, na minha cabeça, essa gasolina era dependente da conquista de uma bolsa de doutorado e depois de uma bolsa sanduíche. Um processo longo e desgastante que compartilho aqui com você através de dicas boas e conselhos, que podem não ser tão bons assim dependendo da sua situação.
Preparação
Independente de você se identificar na modinha Wanderlust, se está imerso na pós-graduação, com certeza já recebeu incentivo de orientadores e mentores para sair do Brasil. Realmente os benefícios profissionais são muitos: se aperfeiçoar em outros idiomas, desenvolver sua pesquisa em outro contexto de condições e recursos, estreitar parcerias, ter um segundo diploma... Porém, o primeiro passo na sua preparação, deve ser a reflexão se este é um desejo real e se parte de você. Depois acrescente o questionamento se você se encontra em um momento pessoal e de saúde mental okay para desenvolver a sua solitude, se está tudo bem se ausentar do convívio com amigos e família. Pondere também que você terá que enfrentar problemas práticos sozinho, somados a todos os desafios possíveis e imagináveis que envolvem estar longe de casa, imerso em outra cultura, tendo que se virar em uma língua diferente da sua.
Com o exame de consciência feito, a dica é ter uma conversa sincera com os seus orientadores e mentores para concatenar o seu projeto às linhas de pesquisa de um orientador no exterior e vice-versa. Faça o mapeamento das agências que concedem bolsa e alinhe o orientador/Universidade do exterior com essas agências. Digo isto porque algumas agências financiadoras só concedem bolsas para Universidades e Centros de Pesquisa que estejam cadastrados em suas plataformas. Não se esqueça de pesquisar ainda, se a sua Universidade ou país pretendidos conferem bolsas que você possa aplicar.
Aplicação
Tendo todas as possibilidades mapeadas, estude os editais que você se enquadra e se atente para as exigências de proficiência em um segundo idioma. Cada edital e Universidade estrangeira possuem suas regras de idiomas exigidos, uma nota mínima e os testes de proficiência que são aceitos. Quando definir um teste para fazer, se organize financeiramente para pagá-lo (caso não consiga fazer um teste gratuito na sua Universidade) e para estudá-lo (estudar o teste é tão importante quanto botar o ‘Hi Lorena’ pra jogo).
Enquanto faz as disciplinas do doutorado e trabalha para conseguir a proficiência no idioma, se organize para aplicar em um maior número de editais e um maior número de vezes possíveis. Os editais possuem chamadas periódicas, ou seja, dá para alinhar tranquilamente com o desenvolvimento do seu doutorado.
Durante a aplicação, se atente aos documentos exigidos nos editais, valorize as suas experiências no currículo e principalmente, capriche na venda do peixe da sua pesquisa na submissão da proposta. Cada edital demanda um modelo de submissão, mas no geral a inovação, a exequibilidade e o impacto da sua pesquisa serão critérios bem valorizados.
Aproveite o período entre as aplicações e a liberação dos resultados para finalizar as suas disciplinas, planejar e/ou realizar o exame de qualificação e até comece a executar a sua pesquisa no Brasil. Uma dica importante também é aproveitar este período para tirar o seu passaporte ou atualizá-lo e ir economizando dinheiro para a viagem. Embora a maior parte das bolsas incluam despesas com a ida, custos relativos à emissão do visto, em geral, serão por sua conta.
Aprovação e desafios
Recebendo a tão esperada boa notícia de aprovação, vem a pior parte: a preparação para ir ao exterior. Cada agência de fomento e consulados têm as suas regras e os seus canais de comunicação, que podem ser eficientes ou não. Somado a estes fatores há a demanda de um grande número de documentos num prazo curto, que só alimenta a ansiedade de estar de mudança para o exterior. Então não confie na sua capacidade de guardar todas as informações e prazos. Anote. Tenha tudo o mais claro e sistematizado possível. Entenda cada passo, cada etapa e cada documento. Se não estiver entendendo, busque ajuda, se comunique. Na falha de comunicação com determinado órgão, existem grupos de estudantes nas redes sociais que podem ter a solução para a sua dúvida.
A regra geral é não passar aperto sozinho. Tente estabelecer uma rede de apoio consistente para te ajudar emocionalmente e em questões práticas. As dificuldades são inúmeras e mesmo mapeando todos os processos, problemas inesperados podem ocorrer. Além disso, existem questões que envolvem a mudança para o exterior, que podem ser do seu total desconhecimento, caso você não tenha familiaridade com a dinâmica do país/Universidade que pretende ir. Por exemplo, o calendário acadêmico das Instituições de Ensino no hemisfério norte geralmente começa em setembro. Embora a maior parte dos estudantes de doutorado vá para o exterior para desenvolver pesquisa, que independe do calendário de aulas vigente, a alocação em alojamento, república ou flat pode ficar comprometida.
Outro desafio, que muitas vezes os brasileiros não imaginam é o clima. Jorge Ben Jor não errou e nem exagerou ao destacar as benesses de morar em um país abençoado. Independente de gostar ou não dos dias mais frios ou mais quentes, pondere que a intensidade do verão e do inverno ou da escuridão, neve e chuvas podem ser determinantes ao afetar diretamente a sua qualidade de vida e sua saúde emocional.
Lições
Aqui vem a maior parte dos conselhos ruins. Se prepare. Primeiro pouquíssimas pessoas são felizes em falar uma segunda língua com a mesma fluência e desenvoltura com que falam a sua língua-mãe. Pense comigo: você fala perfeitamente a sua língua-mãe o tempo todo? Conhece alguém com esta habilidade extraordinária? Então pra que se exigir tanto? O objetivo da comunicação é se conectar. Você é fluente em um idioma quando entende uma piada que não faz parte do universo de onde você vem, quando ouve uma música e se emociona. Você não precisa necessariamente conjugar com maestria tempos verbais complexos para se sentir fluente em uma segunda língua. Desencana e só fala, sem filtro de auto sabotagem. Segundo, esteja aberto para se sentir parte da Humanidade. Sabe filme de fim do mundo em que as pessoas se unem para salvar a Humanidade? Pois então, quando você convive diretamente com pessoas de outras culturas percebe o que na nossa essência nos conecta. Terceiro e mais importante conselho ruim, ao estar aberto para se sentir Humanidade, esteja aberto para olhar para si e ver o que te faz diferente de outros povos, o que te faz latino-americano, o que te faz se sentir brasileiro, o que é seu da sua personalidade e o que foi moldado pela sua cultura.
Para terminar, muitos estudantes relatam ao voltar para o Brasil que tudo pareceu um sonho no exterior. Não porque foi perfeito, mas porque destoou da realidade de uma tal maneira, que não parece real. Portanto, se jogue na experiencia, se integre e conecte intensamente às pessoas e aos lugares. Viaje o máximo que puder. Visite museus, prove sabores, entre em igrejas e templos, desfrute cheiros, se abra para o novo e para o velho. Os perrengues existem, é fato. O preconceito e a discriminação cortam a carne e queimam a alma. Porém, se você estiver em um momento pessoal que te faz sentir apto a se desafiar, se jogar numa aventura pode ser a melhor coisa a se fazer por si mesmo.
Adendo Importante
Algumas Universidades possuem parcerias de dupla titulação com critérios bastante específicos firmados em contratos. Em geral, há a necessidade de estadia por um tempo determinado nas instituições envolvidas para obter a dupla titulação. Portanto, se você conseguir uma bolsa de doutorado sanduíche, pode alinhar a sua ida ao exterior com um processo de dupla titulação ou o contrário, direcionar o seu doutorado sanduíche para uma Universidade parceira à sua, visando a obtenção do duplo título. Possuir um doutorado no exterior é interessante pois amplia o número de países em que seu grau é aceito, sem a necessidade de comprovação de equivalência de títulos conferidos por países diferentes. Além disso, ao cursar concomitantemente dois doutorados, dependendo dos departamentos em que se inserem nas Universidades, pode ser que você obtenha títulos em áreas da Ciência distintas.
Dentre as possibilidades de obter bolsa de doutorado sanduíche, o Programa Capes PrInt tem se destacado por possuir o processo de seleção interna, ou seja, os Programas de Pós-graduação junto à Pró-reitoria, recebem as bolsas e são os responsáveis pela seleção dos candidatos que fazem parte de sua autarquia.
Links de vídeos complementares
CAPES concederá 1.400 bolsas de doutorado-sanduíche no exterior:
Indicações de leitura
Programa de Internacionalização Capes-PrInt UFV