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Semeando conhecimento através da divulgação científica

Carlos Luis Neves Junior


Introdução

O ano era 2003. Manhã de um dia útil da semana. Após mais um episódio sobre os mais de 150 Pokémon da época, eu esperava ansiosamente pelo melhor quadro do Programa da Eliana. E, enfim, a apresentadora anunciava o convidado quase fixo da programação: o biólogo Sérgio Rangel. Sérgio ensinava, de forma envolvente e divertida, sobre a biologia de vários animais, desde pequenos artrópodes e roedores até grandes aves e felinos.

Naquele momento eu não sabia, mas hoje entendo que o Sérgio foi um grande inspirador para o biólogo que sou hoje. Ele trazia fatos científicos complexos e explicava em uma linguagem simples e compreensível para o Carlos de sete anos (e certamente para muitas outras crianças dessa geração). Aos poucos o interesse em aprender ciência foi crescendo e sendo cultivado ao longo dos anos. E o resto, é tudo história (acadêmica ou não).

É com esse toque de nostalgia que escolho introduzir e falar sobre divulgação científica, pois quando paro para pensar, boa parte dos meus interesses atuais foram completamente moldados por programas da minha infância que plantaram a sementinha da curiosidade científica, da vontade de descobrir respostas e entender melhor esse mundo em que vivemos.


O que é Divulgação científica?

Também conhecida como popularização da ciência, podemos definir divulgação científica como atividades de difusão do conhecimento científico para públicos não especializados, isto é, conhecimento da academia para fora da academia. Dessa maneira o debate científico é instigado e, consequentemente, estimula o interesse pela ciência na sociedade, favorecendo o surgimento de novas mentes científicas - tais quais as crianças inspiradas no Sérgio Rangel.

Encontramos divulgação científica (carinhosamente abreviada de DC, mas não confundir com aquela editora de quadrinhos) nos mais diversos meios e formatos. Na televisão, ela está presente nos programas infantis, de entretenimento e documentários especializados. Há canais de televisão exclusivamente dedicados a esse tipo de conteúdo, como Discovery Channel e National Geographic Channel. De forma impressa, temos divulgação científica em revistas para diversos públicos e artigos em periódicos. Em áudio, nos podcasts. E mais atualmente, na internet, em websites, redes sociais e blogs.



("Local Call" by gfpeck is marked with CC BY-NC-ND 2.0.)


Diferentes (porém, semelhantes) conceitos


Falar de ciência é importante, mas nem sempre essa fala é puramente divulgação científica. Termos parecidos, mas com significados diferentes, existem para denominar os diferentes tipos de compartilhamento de informações científicas. O termo mais comumente confundido com divulgação científica é comunicação científica. Comunicação científica pode ser entendida como a transmissão de informações científicas e/ou tecnológicas destinadas a especialistas em determinada área de conhecimento, e a essa comunicação também dá-se o termo disseminação científica. Duas categorias podem ser distinguidas dentro de comunicação científica: a comunicação entrepares acontece entre especialistas da mesma área (por exemplo, uma entomóloga falando de Entomologia com outro entomólogo), enquanto a comunicação extrapares ocorre entre especialistas de área diferentes (por exemplo, um geneticista conversando com uma aracnóloga).

Outro termo adotado é o jornalismo científico, que trata da especialização da profissão jornalística nos fatos relativos à ciência. Um ponto interessante a ser notado é que, assim como a divulgação científica, o jornalismo científico também é uma ferramenta de transmissão destinada ao público não especializado. Porém, como o nome já insinua, o jornalismo científico deve seguir as diretrizes e normas do jornalismo, como periodicidade, atualidade, difusão coletiva, dentre outros, o que não ocorre quando falamos de divulgação científica. Além disso, o jornalismo científico tem a função não apenas de informar o público sobre ciência, mas incitar reflexões e discussões atualizadas sobre ciência, tecnologia e sua relação com a sociedade.

Educação científica é um conceito que permeia todos os demais citados, dedicando-se ao compartilhamento de informação científica com indivíduos que não são tradicionalmente considerados como parte da comunidade científica. Como os demais, assemelha-se com a divulgação científica em si, com uma diferença: a escola é o principal campo de atuação desse conceito. Para Paulo Freire, uma das mais importantes figuras do cenário educacional brasileiro (e, certamente, do mundo), a educação científica dá aos estudantes a possibilidade de participar ativamente na tomada de decisões de forma crítica, tendo compreensão dos processos da ciência e tecnologia no mundo em que vivemos. Nesse cenário, a escola é a principal fomentadora, promovendo uma educação científica efetiva.


Divulgação científica porque?


A divulgação científica é a ponte entre a universidade e a sociedade. As informações produzidas na academia são levadas para fora dos muros da universidade de uma forma popular e que busque o entendimento do público. Os parágrafos de um texto acadêmico-científico presentes em um artigo científico, por exemplo, não são facilmente compreensíveis a um leitor de fora do contexto acadêmico. E não estou menosprezando a capacidade de síntese de ninguém, apenas ressaltando que um artigo científico está escrito em uma linguagem falada por uma pequena parcela da população. E quando falamos de acesso à informação, é válido lembrar que vivemos em um país cujo acesso e oportunidades são desiguais, abrangendo diversas camadas sociais e atingindo, em sua maioria, a parcela negra, pobre e não escolarizada da população. Infelizmente a divulgação científica por si só não é capaz de mudar esse cenário, mas é uma ferramenta necessária na construção de uma sociedade ciente de seu espaço no mundo e que toma decisões de forma crítica. Graças à divulgação científica, é possível democratizar o acesso ao conhecimento científico e fomentar a educação científica, incluindo assim cidadãos no debate sobre temas especializados que impactam suas vidas, trabalhos e sociedade como um todo.


Como fazer divulgação científica?


O primeiro passo a ser pensado quando se quer fazer divulgação científica é qual linguagem será utilizada. E, de forma geral, essa linguagem deve funcionar como uma tradução dos termos técnicos e científicos aos quais estamos acostumados para termos acessíveis e de fácil compreensão. Ao mesmo tempo, devemos ter cuidado ao mascarar termos importantes indispensáveis para a apresentação de determinado tema. Alguns nomes científicos ou tipos de metodologias científicas são palavras de difícil compreensão, mas é inevitável falar esses termos para explicar tal tema. Dessa forma, uma explicação breve desses termos seria mais adequado que substituí-los por outras palavras que, ao invés de facilitarem o texto, podem transmitir uma mensagem diferente da esperada de início.

Cabe pensar também qual será seu instrumento de comunicação, e isso depende da maneira que nos sentimos hábeis e confortáveis em nos comunicarmos. Para mídias visuais e textuais, as redes sociais são uma boa opção, com diferentes tipos de multimídia. Instagram e Facebook para quem gosta de mensagens visuais em imagens, textos e vídeos curtos. Twitter para quem lida bem com produções textuais (as famosas threads). YouTube para quem prefere uma comunicação oral e produzir vídeos mais longos e aprofundados. TikTok para os que apreciam vídeos curtos, práticos e mais dinâmicos. Para os fãs de áudio, podcasts são uma ótima opção. E não podemos esquecer dos websites, blogs e mídias físicas como revistas e jornais.


Fazer divulgação científica para quem?


Definir o público alvo é essencial, pois isso irá ditar como iremos nos comunicar e as diferentes linguagens a serem utilizadas. Quero que meu conteúdo seja voltado para crianças? Então a linguagem deve ser acessível de acordo com a faixa etária. Vou fazer texto para acadêmicos? Isso quer dizer que posso usar termos acadêmicos da área em questão. Meu público é uma comunidade tradicional? Uma boa ideia é incluir aspectos culturais e regionais na discussão. A ideia é que a mensagem chegue ao público de maneira acessível, proporcionando também uma identificação entre a pauta e o leitor com o ambiente em que vive.


Conclusão

Diante de inúmeros desafios enfrentados em nossa sociedade (e incluo aqui a mais recente e ainda persistente pandemia), ter informações verdadeiras e confiáveis em mãos é o que nos divide entre ficarmos estagnados e progredirmos. É triste que tais informações sejam acessadas por uma parte tão pequena e privilegiada da população, e talvez seja um sonho muito grande imaginar um momento da nossa existência em que o acesso à informação de qualidade seja da maioria, ao invés de uma minoria. Enquanto essa realidade utópica não ocorre, não devemos esquecer de nosso compromisso com a sociedade enquanto cientistas e cidadãos. O conhecimento não deve parar e estagnar em nós. E mesmo com a desvalorização crescente da classe científica no nosso país, é importante mantermos viva e ensinar sobre a magia que é adquirir conhecimento, seja aos mais experientes ou aos mais jovens, assim como fez o Sérgio Rangel com o Carlos de anos atrás.


Indicação de leitura


Bueno, W. C. (2010). Comunicação científica e divulgação científica: aproximações e rupturas conceituais. Informação & Informação, 15(1esp), 1-12.

Moreira, I. D. C. (2002). Ciência e Público: caminhos da divulgação científica no Brasil (No. 001.9 CIE).

de Oliveira, C. B., & Gonzaga, A. M. (2012). As contribuições de Paulo Freire a uma educação científica na formação docente. Itinerarius Reflectionis, 8(1).

Werthein, J., & da Cunha, C. (2005). Educação científica e desenvolvimento: o que pensam os cientistas. Unesco, Representação no Brasil.


Referências bibliográficas


Bueno, W. C. (2010). Comunicação científica e divulgação científica: aproximações e rupturas conceituais. Informação & Informação, 15(1esp), 1-12.

Massarani, L., Abreu, W. V. D., & Rocha, J. N. (2019). Apoio a projetos de divulgação científica: análise de edital realizado pela Fundação Oswaldo Cruz.

de Oliveira, C. B., & Gonzaga, A. M. (2012). As contribuições de Paulo Freire a uma educação científica na formação docente. Itinerarius Reflectionis, 8(1).

Porto, C. D. M., & Moraes, D. D. A. (2009). Divulgação científica independente na Internet como fomentadora de uma cultura científica no Brasil: estudo inicial em alguns Blogs que tratam de ciência. Difusão e cultura científica: alguns recortes, 93-112.


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